O ano de 2019 mal iniciou e presenciamos mais um crime ambiental e o maior acidente de trabalho do Brasil. Brumadinho, cidade localizada próxima à capital mineira de aproximadamente 36 mil habitantes, foi tomada por uma avalanche de lama tóxica de rejeito de mineração, que deixou mais de 100 mortos, muitos desaparecidos e um dano à natureza impagável. E pensar que em 2015, havíamos chorado por Mariana, e todas as outras cidades afetadas por este mesmo tipo de tragédia causada pelo rompimento “inesperado” de uma barragem de rejeito, sem alerta prévio, provocando a liberação de uma onda de lama de mais de dez metros de altura e de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos também da mineração. Mais uma vez Minas Gerais e o Brasil perdem vidas humanas e animais por causa da busca irresponsável pelo lucro e negligência gritante.
O que essas duas tragédias têm mais em comum, além do fato de ambas terem sido geradas pelo rompimento de uma barragem? A resposta está no descaso com a segurança e a avaliação de riscos socioambientais. Tanto a Vale quanto muitas outras empresas sediadas no Brasil já comprovaram não implementarem prática a cultura da prevenção e a realização de um investimento contínuo no controle ambiental da atividade poluidora.
Políticas públicas de desenvolvimento sustentável e de incentivos às boas práticas ambientais já são tópicos antigos na governança dos Estados brasileiros e, em algumas cidades, há Códigos ambientais municipais com suas devidas premissas de controle e fiscalização, essenciais para desestimular o uso ilegal dos recursos naturais bem como a geração de crimes à fauna, flora e à vida humana. Entretanto, nenhuma política pública isolada garante a efetiva conservação destes recursos se o sistema de fiscalização ambiental não for eficiente em dissuadir a prática do crime ambiental.
Imagine o quão complexa é a criação de um projeto de barragem e todo o cuidado requerido na manutenção? Será que elas passam por constante inspeção? Será que outros planos e projetos de controle de outros projetos ligados à atividade (se existirem) recebem os devidos cuidados a fim de evitar acidentes ou coisas do tipo que podemos, em virtude do descaso do próprio homem, chamar de crime socioambiental?
Se olharmos com mais atenção a nossa história do processo de industrialização, vemos que o Brasil traz um currículo extenso de danos ambientais ocasionados pela intervenção humana e que, até hoje, continuam impunes. Veja, abaixo em ordem cronológica, alguns exemplos de problemas ambientais que aconteceram em nosso Brasil que configuraram, descaradamente, como frutos de um sistema de fiscalização ineficiente gerando conduta ilegal, sem qualquer condenação do infrator/criminoso:
Crimes ambientais no “Vale da Morte” (1980)
Ainda criança e estudante dos anos 80, fiz um trabalho sobre poluição usando como exemplo a cidade de Cubatão/SP, infelizmente reconhecida como a mais poluída do mundo na época e intitulada por um jornal americano como “Vale da Morte”. Eu, que vivia em uma cidadezinha interiorana e cheia de verde e vida, água boa inclusive onde eu podia nadar e ter lazer, não conseguia imaginar a complexidade de viver em um local tão doente e com tão poucas opções para se ter uma infância saudável.
O polo petroquímico localizado ali emitia toneladas de gases tóxicos diariamente, afetando rigorosamente o sistema respiratório de todos, causando problemas nos fetos (uma geração de bebês nasceu com deformidades físicas), contaminando água, solo e o que estivesse mais presente na região. Muitos acidentes aconteceram ali. Mais de 30 anos depois, mesmo diante de alguns esforços positivos, moradores de Cubatão ainda lutam contra a “chuva que morde”(apelido que eles deram à chuva ácida) e presenciam problemas ambientais graves.
Ainda em Cubatão: Uma vila inteira incendiada (1984)
A falha em dutos subterrâneos da Petrobrás espalhou 700 mil litros de gasolina nos arredores da Vila Socó, local onde residia muitas famílias de trabalhadores do pólo de Cubatão. Após o vazamento, um incêndio destruiu boa parte desta comunidade, deixando quase 100 mortos e mais de 3.000 feridos e desabrigados.
Imagine o que é acordar no meio da noite com fogo para todos os lados!
Lixo hospitalar e o acidente radioativo do Césio 137 (1987)
Este outro crime, que entrou para a história do Brasil, aconteceu em Goiânia/GO também nos anos 80, e foi ocasionado pelo descarte errado dos resíduos sólidos hospitalares. Dois catadores de lixo tiveram acesso indevido à um antigo hospital e encontraram um pó branco, que emitia luminosidade azul. Certamente encantados pela beleza radiante do pó, levaram o material a outros pontos da cidade, contaminando pessoas, água, solo e ar, e causando a morte de crianças e adultos.
Anos depois, a Justiça condenou por homicídio culposo os três sócios e um funcionário do hospital, que na época não estava em funcionamento, mas a pena foi revertida em prestação de serviços voluntários. Lamentável!
Óleo no cartão postal carioca (2000)
Um acidente com um navio petroleiro resultou no derramamento de mais de um milhão de litros de óleo in natura em um dos maiores pontos turísticos do Rio de Janeiro, a Baía de Guanabara. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) aplicou duas multas à Petrobrás, uma de R$ 50 milhões e outra de R$ 1,5 milhão, devido à morte da fauna local e poluição do solo em vários municípios das imediações.
O alto preço da mineração: vazamentos de barragens em Cataguases (2003) e em Miraí (2007)
Mais um rompimento de barragens em Minas Gerais, causando o derramamento de mais de 1 bilhão de litros de rejeitos da indústria de celulose, em Cataguases e milhões de metros cúbicos de resíduos da bauxita, em Miraí. Vários rios e matas foram atingidos, causando sérios danos ao ecossistema local e à população ribeirinha. Se as empresas pagaram as multas, não tenho ideia, só tenho conhecimento de que os danos ainda permanecem evidentes.
Incêndio na área portuária (2015)
Um incêndio que destruiu parte do terminal portuário em Santos/SP, mais precisamente na sede da Ultracargo, foi um outro crime ambiental de grandes proporções.
Além de ser responsabilizada pelos gases jogados na atmosfera por meio deste incêndio que durou 9 dias (isso mesmo, nove dias!), a empresa também foi culpada por lançar efluentes líquidos em manguezais via lagoa que fazia parte deste porto.
A segurança das comunidades próximas, dos funcionários e de outras instalações localizadas na mesma zona industrial ficou abalada. Não houve ocorrência de morte de funcionários e visitantes, no entanto, os danos ambientais são visíveis até hoje.
São anos de tragédias e danos irreparáveis que, certamente, cairão no esquecimento. Por natureza, um sistema de fiscalização ambiental é holístico e deve ser entendido como um grande suporte no controle e na prevenção de riscos para a segurança e saúde de todos, além da garantia do correto funcionamento da atividade industrial.
Além disso e, uma vez cientes de que o lucro a qualquer custo nunca compensou e nem compensará, urgem mudanças de atitudes por parte destas gigantes indústrias com vistas ao equilíbrio entre suas atividades potencialmente poluidoras e o respeito ao uso recursos naturais e tudo o que depende dele (nós, inclusive!). Urgem, ainda, medidas mais severas no que diz respeito à vigilância destas barragens e de outros projetos que envolvem riscos, planos de contingências e emergências claros para todos (principalmente para a comunidade local) e priorizar, acima de tudo, o respeito à esta cadeia da qual todos fazemos parte, a biodiversidade.
Camila Malacarne
Produtora cultural em iniciativas socioambientais
Instagram: @milamalacarne
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